Alta madrugada, não me apraz o sono,
E a mente, em vago devaneio,
Aflige-se entre o longe e o mais perto;
Eis que ouço a queixa e o lamento,
Tão cruéis, que parecem brados de socorro,
E o peito, em arroubo, desvela o terror.
Mas é a janela que se abre, e eis que vejo
Apenas bichanos, no seu amoroso arranjo,
Tão feroz que confunde medo e melodia.
Emudecem os gritos, a alma se acalma,
Mas o coração se perturba em desassossego,
Ferindo-me a cada instante com a dor que me assombra;
Em sonhos, a dúvida se revela,
O deserto, que tudo nega, me acolhe,
E a figueira, a despeito do incerto,
Desabrocha sem espinhos ou canto,
Apenas em mudo espanto.
Em prece, o joelho se dobra,
Subo a montanha do desalento,
Deixo a dor que no peito se faz morada,
E vejo a rosa murchar ao sol,
Seu perfume, doce, a embalar o vento,
Único alento para a alma que suspira.
A sementeira, em vão, se esfarela,
E o orgulho, em sua cega soberba,
Rompe a vinha que a vida havia plantado.
Não há agulha que torne a enfeitar,
Não há remendo para a figueira partida,
Pois o eco que o vento soprou foi assustador,
E o medo, qual sombra, a tudo reviveu,
Secando a semente que o tempo não mais move.
Não sei a hora em que o mar mudou seu curso,
Nem quando a fonte secou,
A figueira, em sua queda, levou a sementeira,
Espalhando-se ao vento, sem qualquer esperança.
Não há magia que devolva o que se perdeu,
Apenas a alegoria da alma que sofre,
Que busca emoção e harmonia
Na esperança de que um dia,
A figueira retorne a crescer,
E produza as sementes que o tempo espalhou,
Trazendo, enfim, a alegria de um amor verdadeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Inspire-se